As formas de comunicação que nos rodeiam, na televisão, nos filmes, em músicas, publicidade, literatura, conversas de café, entre outras, transmitem uma visão da sexualidade que se caracteriza pela sua hiper-valorização face a outros aspectos da vida, por ser eminentemente fonte de prazer e o meio de alcançar o maior grau de satisfação. É considerada como algo central e fundamental na vida.
Considerar que a vida sexual activa implica sempre comportamentos sexuais entre dois parceiros de sexo diferente é mais do que uma visão heterossexista, é uma abordagem redutora, uma vez que não reconhece que vida sexual activa existe sempre, uma vez que somos seres sexuados. Ela existe quando estamos a ler um livro, a tomar banho de mar ou a ouvir uma música. E estamos a falar na possibilidade de vivências sexuais concretas, conscientes e gratificantes, numa perspectiva mais lata da sexualidade que não se restringe à genitalidade.
Ainda na perspectiva das mensagens, sobre sexualidade, que nos envolvem todos os dias e a toda a hora, valoriza-se o novo, a descoberta, o explosivo e incontrolável, a quantidade como sinónimo de bom e desejável, e a ausência de desejo de relações com outras pessoas como algo negativo ou indicador de alguma falha.
Questionamo-nos se a leitura que se faz da sexualidade nas relações lésbicas, embora fora do padrão heterossexista, se continua a inscrever num padrão mais geral e uniformizador da sexualidade. Sexualidade entendida enquanto relação sexual genital com pelo menos duas parceiras envolvidas, com o respectivo estado de excitação inicial, concretização de comportamentos sexual-genitais e o desejável e muito procurado clímax com o orgasmo (no caso das mulheres ainda com a procura dos orgasmos múltiplos – valorizados em relação a um orgasmo único, mantendo o padrão de a quantidade ser sempre o aspecto mais valorizado).
Todas estas considerações são situadas no contexto actual a nível de época cultural e civilizacional. Noutra época ou cultura as mesmas realidades seriam necessariamente interpretadas de forma diversa.
Neste contexto, numa relação amorosa, a vertente sexual tem um protagonismo enorme relativamente a outras vertentes da vida a duas. Sem vida sexual activa (entendida da forma atrás descrita) é posta em causa a possibilidade de continuação da própria relação.
Embora se possa entender que se deve lidar com as questões da vida sexual como lidamos com todos os aspectos da vida, sabemos que a existência de relações sexuais fora do contexto do casal é entendido como infidelidade e provoca reacções muito mais fortes e radicais do que se estivermos a falar de uma ida ao cinema ou ir lanchar fora com alguém. Onde começa e acaba a influência que o nosso meio cultural e civilizacional tem nesta nossa reacção e o que poderá haver de universal e transversal a todos os seres humanos, é algo que entendemos ser muito difícil de estabelecer com um mínimo de precisão.
Que a sexualidade feminina tem sido silenciada e pouco considerada quando se fala de sexualidade, e que a referência é sempre o desejo no masculino, é um dado que nos parece ser consensual. No entanto temos algumas questões que nos parecem ainda pouco claras. Sabemos que biologicamente e a nível da resposta fisiológica as mulheres são diferentes dos homens, a representação da sexualidade feminina também é consideravelmente diferente da masculina, mas parece-nos que as relações amorosas entre duas mulheres reproduzem o mesmo tipo de problemas que as relações hetero, quer a nível de comportamentos quer a nível da sua representação. Temos como exemplos, o entendimento da importância das relações sexuais numa relação amorosa, a valorização da existência de desejo sexual traduzido em comportamentos concretos, e o entendimento do estabelecer de rotinas como algo negativo, de pouca qualidade e comprometedor da qualidade da relação amorosa.
Para além da diferença (que não é de forma alguma de subestimar) inerente ao facto de a grande maioria das relações lésbicas serem vividas na invisibilidade (muitas vezes em relação à própria família e amigos) ficamos com uma questão que gostaríamos de ver discutida, existe maior diferença entre relações amorosas homo e hetero do que entre relações amorosas em diferentes sociedades e culturas?