15.10.07

Famílias homossexuais e homoparentalidade nos livros de educação sexual para crianças

1ª parte

Como, e quando, falar às crianças da homossexualidade, das famílias homossexuais e da homoparentalidade? Esta é a questão que abordaremos neste e no próximo artigo.
Numa primeira parte, queremos enquadrar as respostas a esta pergunta no âmbito da educação sexual e, numa segunda parte, analisaremos a forma como alguns livros para crianças respondem, ou não, à mesma pergunta.

No modelo de educação sexual que utilizamos, um dos princípios mais significativos é o de que, sempre que possível, as questões devem ser faladas com as crianças para que elas estejam preparadas para viver as situações da forma mais responsável e gratificante possível. Ou seja, para que não sejam, por exemplo, confrontadas com as situações através de comentários de terceiros, ou de observação de situações que não consigam compreender.

Tal como referimos no nosso artigo “Educação Sexual e Valorização da Diversidade”, quando perguntamos a uma turma de crianças no primeiro ciclo como podem ser constituídas as famílias, ou como se fazem os bebés, as respostas espelham a diversidade que as rodeia. Poderia ser de outra forma? Para além dos exemplos que conhecem na sua realidade quotidiana, as crianças observam uma ainda maior diversidade através dos meios de comunicação social. Um dos exemplos mais transversais é o das telenovelas. Algumas das de maior qualidade têm abordado, de forma inclusiva, as questões da homossexualidade, da diversidade de famílias e da homoparentalidade.

Neste contexto, o papel das famílias e das escolas deverá ser o de ajudar as crianças a pensar e a viver na diversidade. Claro que diferentes famílias podem ter diferentes valores, enquanto as escolas se devem reger pelos valores inscritos na Constituição e na Lei de Bases do Sistema Educativo.

O que queremos deixar claro é que não há uma só forma de responder à questão inicial, mas há princípios que nos devem orientar. E o principal talvez seja o de que devemos ajudar a criança a compreender que as famílias e as relações amorosas são processos que não têm de estar relacionados com a parentalidade. Que todas as crianças nasceram num determinado contexto familiar, que se pode modificar sem que isso implique modificações das relações parentais com as crianças. Os novos namorados, namoradas, companheiros, companheiras das figuras parentais não têm, e muitas vezes não devem, ser figuras parentais. Porque os papéis parentais não devem estar dependentes das mudanças das relações amorosas ou das reconstituições das famílias.

O respeito pela privacidade de todos os elementos da família, quer sejam crianças ou adultos, é um valor a defender em educação sexual. Por diversas razões, mas nomeadamente porque se torna muito importante que as crianças entendam que há espaços físicos e relacionais das suas figuras parentais que são privados e que não estão directamente relacionados com elas.

Importa reconhecer que também as crianças têm direito à sua privacidade e aos seus espaços. Bater à porta do quarto de uma criança deverá ser um gesto tão natural como bater à porta do quarto de um adulto. E não é só o espaço físico que deve de ser respeitado, é principalmente o espaço relacional da criança que deve ser preservado e gerido de forma a proporcionar um clima de segurança e estabilidade.
Falar com as crianças sobre relações parentais, relações amorosas e homossexualidade não é fácil, e implica pensar previamente no que se quer dizer e como se quer dizer. Torna-se necessário pensar nas palavras que se vai utilizar, porque estes temas não fizeram parte, na maior parte das vezes, da educação explícita que recebemos. Temos primeiro de lidar com as nossas incertezas e clarificar as nossas ideias de forma a podermos falar sem transmitirmos através da nossa linguagem para verbal, contradições e associações negativas.

Mas não falar, silenciar, equivale, muito frequentemente a passar a mensagem de que estes são assuntos “impróprios”, conotados negativamente. Não falar contribui para perpetuar os preconceitos e as discriminações.

Por outro lado, parece-nos fundamental enquadrar a homossexualidade, as famílias homossexuais e a homoparentalidade na diversidade de relações, famílias e parentalidades da nossa, mas também de outras sociedades.

Os materiais educativos podem ser valiosos apoios para a abordagem destes e de outros temas com as crianças. No próximo artigo, analisaremos alguns exemplos.