16.1.08

Famílias homossexuais e homoparentalidade nos livros de educação sexual para crianças - 2ª parte
Vamos falar de sexo … com as crianças

Falar de sexualidade às crianças não é tarefa fácil. Temos de utilizar uma linguagem clara e acessível sobre um assunto que não é simples e que envolve muitas dimensões da nossa vida e da vida das outras pessoas. É necessário organizar as nossas ideias antes de poderemos construir um discurso coerente sobre este tema. Para o fazermos é importante o recurso a fontes de informação de confiança.
Nesse sentido, vimos propor a leitura de um livro que consideramos particularmente interessante na forma como aborda a sexualidade nas suas diferentes vertentes, e que em relação à homossexualidade preocupa-se com o rigor científico e foge os preconceitos.
Uma das qualidades do livro é a utilização de duas personagens (um insecto e uma ave) que vão verbalizando algumas das possíveis questões, dúvidas e anseios das crianças ao debruçarem-se sobre este tema. Esta estratégia facilita a adesão das crianças ao livro, por verem nele reflectido a sua forma de sentir e pensar, que podem ser diferentes de criança para criança. Por exemplo, a certa altura a ave diz “A minha família saiu do ninho e foi-se embora”, e o insecto responde “A minha mantém-se unida na colmeia”.
Analisando detalhadamente o livro encontramos muitos exemplos interessantes que importa realçar.
Quando aborda a questão do desejo sexual (página 13) refere explicitamente, e coloca ao mesmo nível, o desejo sexual por alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto: “Têm “fraquinhos” por pessoas do mesmo sexo, bem como por pessoas do sexo oposto, por pessoas da mesma idade, mais velhas ou mais novas. Ter um “fraquinho” por alguém é perfeitamente normalNa abordagem que faz da relação sexual (página 14) refere a relação com penetração entre um homem e uma mulher, mas ressalva: “… é apenas uma das maneiras de exprimir o amor”. São claramente abordadas outras formas de contactos sexuais, não limitando a descrição da relação sexual à penetração, nem faz juízos de valor (infelizmente demasiado presentes nas abordagens da sexualidade) no sentido de a penetração ser o acto final e mais profundo ;-).”
Pormenor importante de realçar é a utilização de uma imagem que apresenta duas personagens que se acariciam, com características algo indefinidas relativamente ao sexo, que podem ser entendidas como sendo dois rapazes.
Tem um capítulo sobre heterossexualidade e homossexualidade (página 16). Não só sobre homossexualidade. E esta diferença é importante, as orientações sexuais são abordadas ao mesmo nível. Não aborda a homossexualidade, num capítulo à parte, como algo que é diferente e merece um tratamento diferente. Esta opção coloca as orientações sexuais ao mesmo nível.
Refere explicitamente a palavra lésbica, o que é raro acontecer. Normalmente só aparece a palavra homossexual. Também é referida de forma explícita a bissexualidade.
Mais importante ainda é o facto de abordar e analisar o impacto do que as pessoas sentem ou pensam sobre a homossexualidade e das reacções negativas que existem na sociedade (página 17): “Algumas pessoas não aceitam os homens homossexuais nem as mulheres lésbicas. Até há quem odeie os homossexuais só por eles serem homossexuais”.
Fala de sexualidade e neste contexto fala na vida quotidiana. Esta opção reflecte uma abordagem que encara a sexualidade como algo que faz parte integrante da nossa vida a todos os níveis. Assim, na página 18, relatam-se situações concretas do quotidiano em que se explicita a semelhança das vivências independentemente da orientação sexual: “A vida quotidiana de uma pessoa – formar um lar, ter amigos e divertir-se, criar filhos, trabalhar, estar apaixonado – é basicamente a mesma, sendo ela heterossexual, homossexual ou bissexual.”
As ilustrações têm um papel importante porque ajudam e complementam a transmissão das ideias apresentadas pelo texto.
Tem um capítulo que aborda “Todos os tipos de família” (página 50). Fala da enorme diversidade de famílias, incluindo explicitamente pais e mães homossexuais.
Aborda outros temas que normalmente não são referidos de forma explícita, como por exemplo a sexualidade na terceira idade (página 13): “As pessoas têm relações sexuais até terem uma idade bastante avançada.”
Realça-se, para terminar, que este livro sobre sexualidade escolhe para tema do capítulo final “Manter-se saudável” (página 83), falando da importância dos cuidados a ter com o corpo, mas também da importância de cuidarmos das nossas relações, das amizades e da importância do “respeito por nós próprios e pelas nossas próprias decisões”.
Um livro que torna significativamente mais fácil falar de sexualidade com as crianças e jovens.

Bibliografia:
Harris, Robie H., Michael, Emberley (1994). Vamos falar de sexo. Lisboa: Terramar.

Todas as ilustrações são retiradas do livro e da autoria de Michael Emberley