8.6.07

Sexo entre mulheres - como fazer Educação Sexual?

Leitura comentada de livros de Educação Sexual

O heterossexismo e as suas consequências na organização da sociedade já foi tema de um dos nossos artigos na Zona Livre nº 52 de Abril 2006. Neste momento, queremos focar esta análise na área da Educação Sexual.
Neste sentido vamos fazer uma leitura comentada de alguns livros de Educação Sexual disponíveis no nosso mercado, que consideramos terem sido produzidos por profissionais com larga experiência no campo e que estão baseados em investigação científica. Temos consciência de que existem outros manuais, mas optámos por escolher livros que foram utilizados como base de trabalho dos técnicos e professores formados no âmbito de projectos desenvolvidos pela Associação para o Planeamento da Família (APF), e que como tal foram amplamente divulgados.

Em 1992 foi publicada a 1ª edição do livro Educação Sexual na Escola - Guia para Professores, Formadores e Educadores surgido no âmbito da Associação para o Planeamento da Família (APF). A edição que vamos analisar é a de 2001 (Frade, Marques, Alverca & Vilar, 2001).
Este livro inclui, de forma explícita, nos objectivos da Educação Sexual os seguintes aspectos:
“Respeito pela pessoa do outro, quaisquer que sejam as suas características físicas e a sua orientação sexual” (p. 18).
“Uma atitude de aceitação e não discriminatória face às expressões e orientações sexuais dos(as) outros(as)” (p. 19).
Nas sugestões de actividades podemos encontrar alguns exemplos que operacionalizam os objectivos citados. Na secção “Orientação sexual” (p. 79 a 81) as três actividades propostas têm como objectivo geral “Desenvolver a compreensão e aceitação dos diferentes comportamentos e orientações sexuais”. Por exemplo na “Actividade 2 - Outras maneiras de ver” propõe-se um role play de uma viagem a uma sociedade onde a “maioria da população é homossexual”. São dadas orientações para o debate que promovem “a aceitação da variabilidade pessoal dos desejos e comportamentos sexuais” e “a identificação de possíveis repercussões das diferentes orientações sexuais aos níveis pessoal e social”.
Na secção “Relações de casal” (p. 120), em que o objectivo principal da actividade é “entender alguns aspectos presentes no relacionamento de um casal”, é proposta a actividade “Relações de Casal(ais)” (p. 122) em que se faz “ ... um brainstorming das razões que estão subjacentes ao estabelecimento de uma relação de casal” e são propostos três tipos de casais: heterossexual, homossexual feminino e homossexual masculino. Quando, no início de 2005, a APF foi criticada, com grande impacto na comunicação social, pelo tipo de actividades de educação sexual que utilizava nas escolas, esta foi uma das actividades mais referida. As críticas feitas ao trabalho desenvolvido reflectem claramente o heterossexismo dominante na nossa sociedade. Mas a APF defendeu a sua orientação teórica e manteve uma postura concordante com os seus objectivos. E essa postura reflectiu-se em actos concretos, como por exemplo: no seu V Encontro em Educação Sexual - Partilhar e Reflectir Experiências, organizado em 17 de Maio de 2005, convidou uma activista do movimento de defesa dos direitos das lésbicas a apresentar uma comunicação sobre a “Abordagem e enquadramento da orientação sexual em contexto escolar”.

Claramente, este livro tem uma abordagem inclusiva e positiva da diversidade das orientações sexuais. No entanto, verificámos algumas lacunas que importa analisar. Por exemplo, embora se refira que “ ... é importante tomar consciência das dificuldades que, nesta fase, experimentam muitos jovens homossexuais ou bissexuais, cujos desejos estão em contradição com as normas dominantes” (p. 110), não se propõem actividades para desenvolver competências para lidar com essas dificuldades, nomeadamente na relação com os pais, amigos e sociedade em geral.
Na secção “A sexualidade e a Lei” (p. 124) em que o objectivo explícito é “Entender a Lei como fazendo também parte das dimensões da Sexualidade”, não se refere a situação de discriminação legal dos homossexuais. Não são referidas as limitações legais impostas aos homossexuais relativamente a questões centrais da sexualidade como o acesso ao casamento civil, à procriação medicamente assistida e à adopção, direitos que são reservados aos heterossexuais.

O livro Para compreender a sexualidade (López & Fuertes, 1999), traduzido do original espanhol de 1989, tem uma atitude geral positiva e inclusiva das várias orientações sexuais. Mas, numa análise mais detalhada, podemos encontrar alguns aspectos que merecem reflexão.
Quando se fala da “aprendizagem por observação dos outros” explicitando que “Quando os rapazes e as raparigas dão a mão, se beijam, acariciam ou fazem amor pela primeira vez, já viram estes comportamentos centenas de vezes.” (p. 80), não é referida a não existência de modelos de pares homossexuais nem o impacto que essa realidade tem na vida dos jovens.
Sobre a lubrificação vaginal diz-se que é “ ... , necessária para que a introdução do pénis, assim como os seus movimentos no interior da vagina, não causem incómodo ou dano.” (p. 94), limitando a este único comportamento o papel desta resposta fisiológica na relação sexual. A penetração não é necessariamente só feita (mesmo nas relações heterossexuais) com um pénis e a lubrificação vaginal pode ter outras abordagens, nomeadamente ao nível do seu papel na relação sexual, podendo por exemplo, ser um indicador importante para a/o parceira/o e funcionar como factor de excitação.
Existe uma secção sobre “A especificação da orientação do desejo sexual” (p. 104) onde se fala de diferentes orientações sexuais e em que se refere “Acreditamos que a consciencialização social em relação ao facto de a heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade serem apenas alternativas diferentes quanto à sexualidade levaria a atitudes mais abertas e uma maior tolerância.” (p. 107). Mas ainda se utiliza o termo “tolerância” e não a palavra “respeito”. E quando se fala de estudos que comprovam que “O facto de alguém ter algum contacto homossexual na adolescência não significa necessariamente que a orientação do desejo seja ou vá ser homossexual.” (p. 111) não se refere a falta de estudos sobre a situação inversa, nem é feita uma reflexão sobre as possíveis razões subjacentes à não existência dos mesmos.
Fala-se de sexo oral e de coito quando se fala de heterossexualidade “ ... comportamentos heterossexuais (sexo oral, coito ...)” (p. 112), mas nunca são referidos estes ou outros comportamentos nas relações sexuais entre duas pessoas do mesmo sexo.
No capítulo das “Doenças transmissíveis sexualmente” fala-se de comportamentos homossexuais, mas exclusivamente nos masculinos “ ... deve utilizar-se o preservativo quando se mantêm relações homossexuais” (p. 118). Não são referidos métodos de sexo seguro para comportamentos sexuais em que o pénis não é o elemento principal, como por exemplo no cunnilingus, seja praticado entre mulheres ou entre um homem e uma mulher.
É feita uma caracterização dos casais homossexuais em que se fala de relações de casal estáveis, mas em que se refere que também “... formam casais abertos, nos quais não se exclui a relação com outras pessoas, e a maioria muda frequentemente de parceiro ou, simplesmente, não tem relações sexuais.” (p. 124). Esta caracterização pode ser entendida como tendenciosa porque quando se fala da realidade heterossexual não são referidas este tipo de situações, nem é feita uma reflexão sobre a influência nos comportamentos da discriminação legal (não é permitido o casamento civil) e do não reconhecimento social das relações homossexuais.

É importante salientar o facto de nestes dois livros existir uma atitude claramente positiva relativamente à homossexualidade, apesar das limitações analisadas. E é interessante reflectirmos sobre o facto de terem sido publicados antes do movimento associativo de defesa dos direitos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros) ter uma expressão significativa em Portugal.

Uma das observações mais relevantes e transversais à leitura dos dois livros é a dificuldade em encontrar informação específica e detalhada sobre relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. É difícil encontrar informação sobre comportamentos concretos, respostas fisiológicas associadas e métodos que possibilitem a prática de relações sexuais seguras entre duas pessoas do mesmo sexo. No caso de relações sexuais entre mulheres esta situação ainda é mais agravada porque todos os comportamentos seguros referidos pressupõem a existência de pénis na relação e respectiva utilização de preservativo. Consideramos que para além de poder ser entendida como manifestação de heterossexismo, esta omissão contribui para a não divulgação de comportamentos seguros nas relações sexuais homossexuais.
Quem procurar informação sobre relações sexuais entre mulheres, práticas e riscos associados, dificilmente a encontrará na bibliografia académica e científica disponível. Esta informação só pode ser encontrada ao nível das associações de defesa dos direitos LGBT. No entanto, a informação produzida pelas associações não consegue ter uma divulgação abrangente como a de outras instituições com mais reconhecimento social e capacidade económica. Para além de que a informação veiculada pelas associações de defesa dos direitos LGBT, é procurada predominantemente por mulheres que se auto identificam como lésbicas, e não por mulheres que têm comportamentos sexuais com outras mulheres mas que não se auto identificam como lésbicas. Esta limitação é mais um factor que reduz a eficácia na prevenção de comportamentos sexuais de risco.

Consideramos que a informação sobre educação sexual apresentada de forma integrada, não separando as abordagens dos comportamentos considerados heterossexuais dos homossexuais, será a forma mais abrangente e respeitadora da diversidade da sexualidade humana.

Frade, Alice, Marques, António Manuel, Alverca, Célia, Vilar, Duarte (2001). Educação Sexual na Escola - Guia para Professores, Formadores e Educadores. Lisboa: Texto Editora. 1ª edição em 1992.
López, Félix, Fuertes, Antonio (1999). Para compreender a sexualidade. Lisboa: Associação para o Planeamento da Família. Traduzido da edição espanhola de 1989.

5 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do artigo. Esclarecedor e bem escrito e, sem dúvida uma óptima ferramenta de trabalho.
Parabéns, continuem.

Anónimo disse...

Tal como o leitor anterior, gostei Muito do artigo:abordagem séria, profunda, pertinente.
Estou de visita a este Blog pela primeira vez, através do "saltitar" de site em site, começando nas "Novas Oportunidades"..."Ano Europeu da igualdade de Oportunidades para todos e todas"..."Clube Safo"...vim aqui parar.
Gostaria de ver discutido o Tema da homoparentalidade, pois é um assunto de suprema importância para as crianças que necessitam de uma família epara todos os que desejam ter uma família onde haja crianças.O preconceito na nossa sociedade é demolidor dos direitos destas crianças que vivem institucionalizadas, bem como do direito de todos quantos desejam assumir a parentalidade.
João Salgueiro Mouta fez uma abordagem excepcional no seu artigo e, quando li a primeira questão "São conciliáveis os Direitos da Crianças com os Direitos do Homosexuais?", ainda nem descera na sua leitura e a resposta que me ocoreu foi que.....Parece que é importante discutir o sexo dos Anjos!
Na questão da adopção apenas equaciono um problema....ou antes, a ausência de um problema: a falta de Amor.Ninguém mais precisa de AMOR que uma criança sem família, sm referêcnias, sem vínculos ou que viva numa família gravemente disfuncional.Ninguém tem mais sede de dar amor, proteger, criar que pessoas que não possam ter filhos biológicos.Poranto, para mim o problema está à partida resolvido!
O Direito primeiro de uma criança é: SER DESEJADA, por inerência se desejada, será amada.Ninguém tem melhores condições(à partida) para criar e educar uma criança que alguém que muito a deseje.Homem? Mulher? Dois homens?....duas mulheres?o AMOR não tem sexo....é um sentimento entre pessoas, onde o sexo pode ou não estar incluido ( nas relações com as crianças não está incluido o sexo) .Morre-se sem Amor.Morre-se para o Amor, quando se cresce sem ele.Como é possível que as pessoas não percebam de que o que se fala é de AMOR!!??DE PESSOAS QUE O QUEREM DAR E DE CRIANÇAS QUE PRECISAM MUITO DE O RECEBER!?.......
Esta discussão tem de ser intensificada e trazida à discussão pública em força...........por favor, façam por isso
Parabéns pela vosso esforço nesta luta pela igualdade entre todos e todas...PARABÉNS

Eduarda Ferreira disse...

Agradecemos o seu comentário e ficamos muito satisfeitas por saber que se interessa por estes temas.

O Clube Safo já realizou algumas iniciativas relacionadas com o tema da Homoparentalidade.

Junto envio os links para a nossa página onde poderá consultar essa informação.

http://www.clubesafo.com/livroactas.html

http://www.clubesafo.com/Actividades/homop/homop.htm

http://www.clubesafo.com/doc/CI%2029%20Jan%2007.pdf

Com os melhores cumprimentos,
Eduarda Ferreira

Anónimo disse...

Mais uma vez parabéns pelo artigo..Este assunto é sem dúvida muito sensivel,é bom saber que ha realmente a informação essencial para viver uma vida feliz e saudavel.

Anónimo disse...

Parabens! é a primeira vez que visito este blog e estou a adorar!
Vocês têm aqui imensa informação que já fazia falta.. :) Tenho 3 sobrinhos do coração.. 2 meninas e 1 menino.. ainda são pequenos para algum tipo de conversas mas penso constantemente na melhor maneira de um dia poder explicar-lhes tudo. Quero que tenham o máximo de informação disponível possível.. e este blog está a ajudar imenso! Obrigada! :)