21.11.05

Este texto, pretende apresentar uma reflexão sobre as várias contribuições que foram sendo feitas neste espaço e também será publicado, incluindo citação de diversas contribuições, na próxima Zona Livre (a sair no início de Dezembro).

As formas de comunicação que nos rodeiam, na televisão, nos filmes, em músicas, publicidade, literatura, conversas de café, entre outras, transmitem uma visão da sexualidade que se caracteriza pela sua hiper-valorização face a outros aspectos da vida, por ser eminentemente fonte de prazer e o meio de alcançar o maior grau de satisfação. É considerada como algo central e fundamental na vida.

Considerar que a vida sexual activa implica sempre comportamentos sexuais entre dois parceiros de sexo diferente é mais do que uma visão heterossexista, é uma abordagem redutora, uma vez que não reconhece que vida sexual activa existe sempre, uma vez que somos seres sexuados. Ela existe quando estamos a ler um livro, a tomar banho de mar ou a ouvir uma música. E estamos a falar na possibilidade de vivências sexuais concretas, conscientes e gratificantes, numa perspectiva mais lata da sexualidade que não se restringe à genitalidade.

Ainda na perspectiva das mensagens, sobre sexualidade, que nos envolvem todos os dias e a toda a hora, valoriza-se o novo, a descoberta, o explosivo e incontrolável, a quantidade como sinónimo de bom e desejável, e a ausência de desejo de relações com outras pessoas como algo negativo ou indicador de alguma falha.

Questionamo-nos se a leitura que se faz da sexualidade nas relações lésbicas, embora fora do padrão heterossexista, se continua a inscrever num padrão mais geral e uniformizador da sexualidade. Sexualidade entendida enquanto relação sexual genital com pelo menos duas parceiras envolvidas, com o respectivo estado de excitação inicial, concretização de comportamentos sexual-genitais e o desejável e muito procurado clímax com o orgasmo (no caso das mulheres ainda com a procura dos orgasmos múltiplos – valorizados em relação a um orgasmo único, mantendo o padrão de a quantidade ser sempre o aspecto mais valorizado).

Todas estas considerações são situadas no contexto actual a nível de época cultural e civilizacional. Noutra época ou cultura as mesmas realidades seriam necessariamente interpretadas de forma diversa.

Neste contexto, numa relação amorosa, a vertente sexual tem um protagonismo enorme relativamente a outras vertentes da vida a duas. Sem vida sexual activa (entendida da forma atrás descrita) é posta em causa a possibilidade de continuação da própria relação.

Embora se possa entender que se deve lidar com as questões da vida sexual como lidamos com todos os aspectos da vida, sabemos que a existência de relações sexuais fora do contexto do casal é entendido como infidelidade e provoca reacções muito mais fortes e radicais do que se estivermos a falar de uma ida ao cinema ou ir lanchar fora com alguém. Onde começa e acaba a influência que o nosso meio cultural e civilizacional tem nesta nossa reacção e o que poderá haver de universal e transversal a todos os seres humanos, é algo que entendemos ser muito difícil de estabelecer com um mínimo de precisão.

Que a sexualidade feminina tem sido silenciada e pouco considerada quando se fala de sexualidade, e que a referência é sempre o desejo no masculino, é um dado que nos parece ser consensual. No entanto temos algumas questões que nos parecem ainda pouco claras. Sabemos que biologicamente e a nível da resposta fisiológica as mulheres são diferentes dos homens, a representação da sexualidade feminina também é consideravelmente diferente da masculina, mas parece-nos que as relações amorosas entre duas mulheres reproduzem o mesmo tipo de problemas que as relações hetero, quer a nível de comportamentos quer a nível da sua representação. Temos como exemplos, o entendimento da importância das relações sexuais numa relação amorosa, a valorização da existência de desejo sexual traduzido em comportamentos concretos, e o entendimento do estabelecer de rotinas como algo negativo, de pouca qualidade e comprometedor da qualidade da relação amorosa.

Para além da diferença (que não é de forma alguma de subestimar) inerente ao facto de a grande maioria das relações lésbicas serem vividas na invisibilidade (muitas vezes em relação à própria família e amigos) ficamos com uma questão que gostaríamos de ver discutida, existe maior diferença entre relações amorosas homo e hetero do que entre relações amorosas em diferentes sociedades e culturas?